O Risco de um Acidente Nuclear e açambarcagem de Iodeto de Potássio
Fará sentido tomar suplementos de iodo para prevenir complicações associadas à exposição radioativa?
No início do primeiro confinamento provocado pela pandemia de Covid-19, bem lá no início de 2020, falava-se que poderiam faltar alguns bens essenciais nos supermercados. E mesmo com garantias de que o mesmo não iria acontecer, assistimos incrédulos à açambarcagem de bens ditos essenciais.
Dois anos depois é o tema “guerra” a tomar conta da preocupação geral. Quando os bombardeamentos da Rússia sobre a Ucrânia atingiram as imediações de uma central nuclear, a possibilidade de um acidente nuclear tornou-se real. A comunicação social lembrou o acidente nuclear de Chernobyl de 1986 e as consequências ainda hoje sentidas pela sua população local.
Também na comunicação social surgiu a notícia de que a suplementação com iodo poderia evitar as consequências carcinogénicas da radiação nuclear. É certo que o iodo estável dos suplementos pode evitar a absorção do iodo radioativo, impedindo assim o desenvolvimento de cancro na tiroide. Há, no entanto, muitas outras consequências da exposição radioativa que não se previnem com a ingestão de iodo.
Em vários países do leste da Europa, como a Polónia, Bielorrússia ou Roménia, a procura de medicamentos à base de iodeto de potássio aumentou proporcionalmente à ansiedade da população com as questões nucleares, o que levou a que os mesmos esgotassem. Em Portugal, a procura por estes medicamentos teve um enorme aumento, o que levou igualmente à rutura de stock em quase todas as farmácias do país.
A falta de iodeto de potássio nas farmácias pode impedir que o mesmo seja tomado por quem dele precisa. A indicação terapêutica mais relevante do iodeto de potássio é na gravidez. No primeiro trimestre de gravidez, o iodeto de potássio assume bastante importância na prevenção de defeitos no tubo neural e distúrbios neurológicos no feto.
Dada a distância de Portugal às centrais nucleares ucranianas podemos concluir que o risco de radioatividade é muito baixo, o que não justifica qualquer suplementação com iodeto de potássio. Além disso, a dosagem comercializada deste medicamento, em Portugal, nem sequer é a adequada para atenuar uma possível exposição a radiações nucleares.
Lembrando que este medicamento, sendo sujeito a receita médica, deve ser tomado única e exclusivamente sob supervisão e aconselhamento médico, o mais sensato será, neste momento, facilitar a vida às grávidas, para que não tenham que percorrer farmácia atrás de farmácia à procura de iodeto de potássio.
12 de Abril de 2022
Por: Rúben de Carvalho
Técnico de Farmácia