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Sono, Medicina do Sono e Exames de Sono em Tempos de COVID

Sono, Medicina do Sono e Exames de Sono em Tempos de COVID

Um artigo de opinião sobre o impacto da COVID-19 na gestão do sono devido ao confinamento, à gestão da doença e ao aumento das listas de espera.

Por, Clara Santos - Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica Coordenadora de Neurofisiologia do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC).


As pesquisas científicas realizadas acerca do sono e das suas patologias, em tempo de pandemia, têm sido muitas e começam, agora, a apresentar alguns resultados importantes, ao fim de um ano de contexto pandémico.

Existem nesta área, relacionadas com o contexto do Covid 19, três realidades a ter em conta:

  • as queixas e distúrbios do sono causadas pelo isolamento, por períodos de quarentena, por alterações psicossociais e dificuldades financeiras;
  • as queixas e distúrbios do sono desenvolvidos por doentes infetados por Covid 19;
  • o impacto das contingências da pandemia nos serviços de sono, nas listas de espera e na saúde dos doentes.

1 – Queixas e Distúrbios do Sono causadas pelo Isolamento

Neste caso, os estudos feitos em milhares de participantes, em vários países, evidenciam um aumento de 35% de sintomas de ansiedade geral, aumento de 20% de queixas de depressão e 18% dos participantes apresentam queixas de má qualidade de sono.

Toda a situação pandémica, as medidas tomadas para mitigar a disseminação do vírus e a incerteza acerca da própria saúde e dos familiares aumentam os níveis de ansiedade. As situações de confusão associadas ao isolamento, sobretudo em pessoas de mais idade, os períodos de quarentena, o stress com perdas financeiras e instabilidade laboral, têm efeitos importantes sobre a quantidade e qualidade do sono em parte importante da população.

As pessoas preocupam-se não apenas com a possibilidade de ficar infetados e doentes, mas também com outros problemas de saúde que não estão a ser resolvidos de forma ideal, com questões financeiras e outras situações psicológicas e interpessoais.

De uma forma geral, as preocupações e a ansiedade têm impacto negativo no sono.

Os pensamentos negativos e intrusivos tornam difícil o adormecer e/ou voltar a adormecer quando se acorda durante a noite.

Para algumas pessoas, no entanto, o facto de estar a trabalhar em casa permite-lhes manter uma vida mais equilibrada, sem necessidade de enfrentar o transito, por exemplo, e têm menos queixas de stress e um sono melhor.

Outros têm agora mais tempo para dormir e não se privam tanto de sono como faziam antes da pandemia, como alguns adolescentes que não têm que se levantar tão cedo para se deslocarem para as aulas.

Contudo, na grande maioria dos casos, o confinamento fez com que pessoas que tinham hábitos sociais e de sono regulares e saudáveis, os tenham alterado, acordando muito mais tarde e fazendo múltiplas sestas durante o dia, o que causa dificuldades em adormecer a horas aceitáveis à noite e dificuldades em manter o sono.

Este tipo de alteração dos tempos de dormir e de estar acordado tem forte impacto negativo no nosso relógio biológico, localizado no núcleo supra-quiasmático, responsável pela regulação do ritmo sono-vigília, criando a possibilidade de desenvolver distúrbios crónicos do sono.

Neste contexto, a grande maioria das queixas de sono em tempo de pandemia são de insónia, má higiene do sono e alterações do ritmo sono-vigília.

É importante também considerar o facto de que, muitos distúrbios de sono pré-existentes, são agora exacerbados pela situação pandémica. Também aqui, os principais contribuintes para o agravamento da qualidade de sono em doentes que já tinham estas patologias, são os prováveis aumentos dos níveis de ansiedade e as alterações nos hábitos de sono. As patologias do sono com mais probabilidade de serem exacerbadas pela situação pandémica são as insónias e as perturbações do ritmo sono vigília.

É essencial que a pessoa saiba identificar o agravamento da sua insónia e se não conseguir lidar com este problema deve pedir ajuda a um profissional de saúde.

Em relação ao ritmo sono-vigília, sobretudo em confinamento, é importante manter o que se chama de uma boa higiene do sono, tendo em conta a quantidade de horas necessárias a cada idade.

Nestas regras de boa higiene de sono incluem-se:

  • manter um horário regular de ir para a cama e de levantar;
  • procurar estar exposto à luz solar, sobretudo no período da manhã,
  • mesmo estando em casa a trabalhar, manter o trabalho em horas e locais próprios, com horários regulares para refeições e atividades com a família;
  • sair de casa em horários permitidos, para manter alguma atividade física;
  • ter em conta que o café em excesso e o álcool alteram a estrutura e qualidade do sono;
  • manter o quarto com ambiente tranquilo e temperatura próxima dos 18 graus;
  • evitar exposição a telemóveis, televisão antes de ir para a cama (a luz emitida por este tipo de dispositivos reduz a produção de melatonina, hormona promotora do sono). Estes hábitos e indicadores ajudam o saudável funcionamento do nosso relógio biológico, evitando distúrbios do sono que se podem tornar crónicos.

2 – Queixas e Distúrbios do Sono nos doentes infetados por COVID-19

Nos doentes que desenvolveram a infecção por Covid-19, existem casos de queixas de alterações da qualidade e quantidade de sono, tais como queixas de sono não reparador, insónia, fadiga, pesadelos e alguns problemas comportamentais relacionados com o sono.

Os doentes que sofreram infeções pulmonares mais graves e prolongadas, parecem ter mais riscos de desenvolver patologias respiratórias relacionadas com o sono.

Nestes dois casos, uma avaliação por um especialista em medicina do sono deve ser solicitado para averiguar, com a clínica e os exames adequados, se existem doenças do sono que devam ser tratadas, incluindo apneias do sono ou hipoxia relacionada com o sono (diminuição marcada do oxigénio durante os períodos de sono).

Os especialistas recomendam que, apesar das regras de higiene do sono serem úteis nos sintomas mais ligeiros de insónia de curta duração, não devem ser usados de forma isolada nas insónias crónicas havendo necessidade, nestes casos, do recurso a seguimentos e intervenções mais específicas como a terapia cognitivo-comportamental realizada por psicólogos especialistas na área do sono.

3 - O impacto das contingências da pandemia nos serviços de sono, nas listas de espera e na saúde dos doentes

Nos serviços e laboratórios do sono, os TSDTs de Cardiopneumologia e Neurofisiologia são responsáveis pela realização e análise de todos os exames relacionados com as patologias do sono, como os estudos poligráficos do sono domiciliários, os estudos poligráficos do sono em laboratório, de diagnóstico e terapêuticos, as actigrafias, os testes de latência múltipla ao sono, os testes de manutenção de vigília, entre outros procedimentos de diagnóstico e terapêutica.

Durante este ano de pandemia, de acordo com as indicações nacionais, acerca da evolução pandémica, e internacionais, acerca do funcionamento dos laboratórios do sono, os TSDTs têm tido um papel essencial na manutenção da atividade possível no sentido de minimizar o impacto da pandemia nas listas de espera e, consequentemente, nos doentes que necessitam deste tipo de exames e procedimentos.

Têm mantido a atualização acerca das circunstâncias em que se podem realizar os exames, quais os períodos de quarentena a realizar aos equipamentos e espaços, quais os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) a usar, também de acordo com as normas de cada instituição.

Na maioria dos serviços que têm medicina do sono, no SNS, o acesso dos doentes é feito, na sua maior parte, através de um pedido do médico de família, ou então por pedidos de outras especialidades dentro das instituições (como cardiologia, visto que existe uma forte relação entre a patologia respiratória do sono e patologias cardíacas).

Durante este ano, é de conhecimento geral, que também as consultas de medicina geral e familiar sofreram uma dramática diminuição, o que fez diminuir os novos pedidos. Contudo, o que se prevê é que, assim que se retomarem essas consultas, haverá um grande número de pedidos por parte destes médicos de família para doentes que, pelas razões apontadas acima, estão a precisar de ajuda especializada nesta área.

O facto é que o acesso a estes serviços, sobretudo em alguns períodos críticos de maior disseminação do vírus, foi completamente cancelado, sobretudo na realização de muitas consultas e exames mais complexos que têm que ser realizados em laboratório.

Tudo isto e ao fim deste ano de pandemia, fez com que existisse um aumento da lista de espera, sendo que, no meu caso concreto, assisti a um aumento de 4 para 10 meses.

Foi programado, com a instituição onde trabalho, a aquisição de mais equipamentos para estudos domiciliários e conseguimos, desde agosto de 2020, aumentar a quantidade diária de estudos domiciliários mais simplificados e mais complexos, de forma a conseguir cumprir as quarentenas exigidas.

Para além da implementação de algumas teleconsultas também fizemos desfasamento de horários e modificação de alguns circuitos para que não haja acumulação de doentes em salas de espera e corredores e de funcionários em salas de trabalho e espaços comuns.

O acompanhamento e conhecimento das regras de segurança por parte dos utentes, mas sobretudo dos profissionais de saúde da equipa, em especial os TSDT, é essencial para se criar um ambiente de confiança e segurança que é também transmitido, de forma clara, aos utentes.

Se me perguntarem o que ajudou a manter a prática do Centro de Medicina do Sono do CHUC, eu respondo:

  • a possibilidade de realizar períodos de teletrabalho;
  • a implementação de teleconsultas;
  • a realização de mais estudos domiciliários;
  • a implementação de protocolos de controlo de infeção, com a ajuda inicial do grupo de controlo da infeção do CHUC e do serviço de estilização;
  • a ajuda e compreensão dos armazéns na obtenção atempada de novos materiais e consumíveis de uso único para os equipamentos;
  • a comunicação adequada com os doentes acerca de comportamentos seguros; a formação e atualização constante dos TSDTs acerca das melhores práticas a usar nos diferentes procedimentos;
  • a comunicação próxima com as empresas de ventilação não invasiva, das quais muitos dos nossos utentes dependem.

A Covid-19 teve e terá implicações a longo-prazo no atendimento de doentes com diferentes patologias do sono que vão da patologia respiratória, à psiquiátrica e à neurológica.

Por isso, a existência de equipas multidisciplinares como a nossa, é ainda mais importante.

Os avanços tecnológicos e de programação do trabalho a que estamos obrigados farão mudar a forma como praticamos a medicina do sono a nível mundial.

A resiliência e capacidade de aprendizagem e trabalho em novas situações que os TSDT têm demonstrado nas equipas do sono das instituições do SNS continuará a ser essencial para que este caminho se possa percorrer com sucesso, para os doentes que nos procuram e a quem prestamos os melhores cuidados possíveis nesta área em situação de pandemia.

 

Clara Assunção Rodrigues dos Santos - TSDT de Neurofisiologia

STSS

Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica

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