Vacinação: a arma secreta contra a COVID-19
Um artigo de opinião sobre a importância da vacinação, em especial no que diz respeito à COVID-19, por Mário Machado - Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica de Farmácia
Numa altura em que estamos a braços com uma pandemia, nunca a palavra "vacina" teve tanto significado como atualmente.
Mas será mesmo assim? Na verdade, ela já o teve e ao longo de todo o século XX. Nós é que não nos lembramos!
Desde sempre que a espécie humana procura, através de um olhar atento sobre o mundo, defender-se das inúmeras doenças que nos assolam.
Foi assim e de forma empírica que, em 1796, um médico inglês chamado Edward Jenner inventou aquilo que viria a ser conhecido como a primeira vacina.
É com a inoculação numa criança, do vírus Vaccinia, responsável pela varíola bovina e imunizante contra a Varíola Humana, que surge o termo “Vacina”.
Este termo, que perdura até aos dias de hoje, abrange toda a inoculação que produza anticorpos protetores contra qualquer doença.
E porque é que procuro contextualizar esta história, numa altura em que só se fala na Covid-19?
Porque, talvez não nos lembremos da relevância mortífera deste vírus, mas estima-se que a Varíola seja responsável pela morte de cerca de 300 milhões de pessoas, em todo o mundo. Tudo isto num espaço temporal de apenas 80 anos (1901 a 1980).
Contudo, apesar de mortífera e espalhada por todo o mundo, tal como a Covid-19, em 1980, a varíola foi a primeira doença a ser considerada extinta, graças aquilo que foi considerado como um dos maiores sucessos das campanhas de vacinação.
Embora muito menos mortífera que a Varíola, a Covid-19 apresenta contornos cada vez mais assustadores e cada vez mais avassaladores a nível mundial.
Com a humanidade a desesperar por uma vacina, pela primeira vez na história, temos todo um trabalho incansável da comunidade científica mundial, na demanda de desenvolver uma vacina eficaz para o SARS-CoV-2, em tempo record.
Não obstante de termos já a decorrer, planos de vacinação contra a Covid-19 em grupos específicos, urge desmistificar os dogmas da vacinação de forma a que possamos entrar novamente na história, mas agora, como o maior sucesso das campanhas de vacinação contra a Covid-19.
A erradicação da Varíola só foi possível com uma vacinação mundial em massa. A Covid-19 só poderá ser controlada ou mesmo erradicada se, e só se, voltarmos a fazer o mesmo.
Contudo, se a vacinação é tão importante e até já foi responsável pela erradicação doenças como a Varíola, porque é que não há mais doenças erradicadas?
A vacinação é, definitivamente, um dos meios mais baratos e eficazes para prevenir esta e outras doenças infeciosas graves, continuando a evitar milhões de mortes em todo o mundo, ao proteger as pessoas de doenças como o sarampo, tuberculose ou a poliomielite.
No entanto, à medida que as doenças infeciosas mais graves vão sendo menos comuns, devido à vacinação, é natural que o ser humano as esqueça e torne-se assim menos recetível para a toma das vacinas.
Desta forma, quando surgem novas vacinas, muitas vezes, tendemos a desconfiar acerca do seu desenvolvimento e possíveis efeitos adversos.
Aí começam a surgir as dúvidas ou críticas: será seguro? foi produzida tão rápido... não deve ser boa... e aquela que não mostram os estudos... já ouvi que não posso tomar enquanto estiver a amamentar...
Estas e outras suspeitas infundadas, sem qualquer base científica, manifestam-se depois sobre a forma de protesto contra a toma, não só das novas vacinas, mas também antigas.
Estes movimentos, que surgem um pouco por todo o mundo, como o movimento anti vacinação nas crianças, colocam em causa a segurança dos demais e até o ressurgimento de doenças outrora erradicadas.
Ora, já era de prever que, com as novas vacinas contra a Covid-19 surgissem grupos alargados de pessoas contra a toma destas.
Alegando possibilidade de reações adversas graves ou que o seu desenvolvimento foi demasiado rápido, estes movimentos baseiam-se em argumentos infundados que constituem os verdadeiros desafios para a vacinação em massa e para o controlo ou erradicação de doenças, como a que temos agora nas nossas mãos.
Assim sendo urge clarificar:
O que é e como funciona uma vacina?
Uma vacina é todo o produto preparado, a partir de componentes estruturais ou dos genes de microrganismos, com propriedades antigénicas, que possibilita à pessoa inoculada com estes, uma resposta imunitária protetora (aquilo a que designamos por imunização) contra a doença provocada pelo microrganismo inoculado.
Um parágrafo demasiado pomposo para referir que, basicamente, uma vacina ensina o nosso corpo a proteger-se contra agentes agressores. Tão simples quanto isto!
Uma das grandes vantagens das vacinas é que, para além do efeito da resposta imune, estas induzem memória imunológica, ou seja, mesmo em caso de infeção pós-vacina, a manifestação da doença nunca será tão grave como seria se não a tivesse tomado.
Se as vacinas provocam imunidade porque é que tenho de tomar mais do que uma dose e em intervalos específicos de tempo?
Os esquemas de vacinação recomendados, para qualquer vacina têm como objetivo obter a melhor proteção possível, o mais cedo possível e na altura mais correta (quanto mais novo melhor, mais cedo fica protegido).
Por isso existem regras (planos) para a vacinação, nomeadamente as idades mínimas e os intervalos mínimos entre as doses de cada vacina.
A maior parte das vacinas vai requerer a administração de duas ou mais doses, que serão necessárias para conferir uma proteção adequada.
É por esta razão que devemos respeitar os esquemas vacinais recomendados pela indústria farmacêutica que desenvolve as vacinas.
Importa referir que, até ao cumprimento do esquema/intervalo de administração, a pessoa pode não estar completamente protegida. Daí ser importante respeitar os intervalos de administração indicados e por isso tanto se ouvir dizer que a primeira dose da vacina para a Covid-19 confere apenas entre 50 a 60% de eficácia contra a doença.
Só com as doses completas é que se alcança a maior eficácia das vacinas e isto é válido para qualquer vacina.
Onde se encaixam e como funcionam as novas vacinas para a Covid-19?
Atualmente, pode considerar-se quatro os principais tipos de vacinas contra a Covid-19, muitas delas ainda em ensaios clínicos:
- Vírus Inteiro
- Subunidade de Proteína
- Vetor Viral
- Ácido Nucleico (RNA e DNA)
Alguns destes tipos de vacinas procuram inserir o antigénio do vírus no nosso corpo, de forma totalmente camuflada, enquanto outros utilizam as próprias células para fazer o antigénio viral expressar-se em larga escala.
Para não me alongar extensamente nas diferenças entre as mesmas, aqui ficam 2 quadros resumidos, onde compilo as principais diferenças entre as principais vacinas e os tipos de vacinas existentes.
Mas se estas novas vacinas mRNA contra a Covid-19 têm uma rápida produção, então porque é que não há mais destas vacinas deste tipo e até para outras doenças?
A razão de não termos tido estes tipos de vacinas anteriormente é porque, aquilo que o quadro acima descreve como "simples", não é assim tão simples.
Na verdade, os cientistas não conseguiam descobrir uma forma de colocar o material genético dos vírus, diretamente nas nossas células, sem vetor e sem que este fosse rejeitado posteriormente pelas mesmas. Em alternativa utilizavam um vetor viral, mas este processo pode ser bem mais demorado e até menos eficaz.
Contudo, a Pfizer e a BioNTech foram os primeiros laboratórios a descobrir como fazê-lo, através de nanopartículas lipídicas.
Além desta questão, este tipo de vacinas teve ainda de lidar com uma outra: é que até agora nenhuma vacina de Ácidos Nucleicos tinha sido aprovada para uso humano. Esta situação, por si só, acarreta ainda mais obstáculos para a investigação, ensaios clínicos, produção e posterior administração em massa.
Por último, este tipo de vacina precisa de temperaturas ultra-frias, -70 ° C ou menos, o que complica imenso o seu armazenamento e distribuição.
E num contexto geral? As vacinas apresentam contraindicações ou reações adversas? Se sim, quais as mais frequentes?
As contraindicações à vacinação são raras, muitas vezes temporárias. As que existem são referentes a vacinas específicas e situações específicas, como por exemplo:
- pessoas com deficiências imunitárias graves não devem ser vacinadas com vacinas vivas;
- grávidas não devem ser vacinadas com vacinas vivas, pois configuram um risco teórico para o feto;
- pessoas com historial de reações alérgicas graves ou recorrentes, devem falar com o médico primeiro e dar esta indicação na altura da toma da mesma.
Devo ainda alertar para a chamadas "falsas contraindicações", que são todas aquelas desculpas utilizadas como motivo para que as pessoas fujam às vacinas.
Não só estas oportunidades perdidas retiram a oportunidade de vacinação a quem as quer realmente tomar, mas também prolongam o período de suscetibilidade às doenças evitáveis pela vacinação e que vão de encontro ao referido acima, acerca do motivo pelo qual se deve respeitar os intervalos de tomas entre doses.
Se pensa que algum dos argumentos seguintes (as chamadas falsas contraindicações) são válidos para evitar/adiar a toma de uma vacina, está redondamente enganado:
- reações locais, ligeiras a moderadas, a uma dose anterior da vacina a administrar;
- doença ligeira aguda, com ou sem febre (exemplo: infeção das vias respiratórias superiores, diarreia);
- doença neurológica estabilizada/não evolutiva, como a paralisia cerebral;
- criança em aleitamento materno ou mulher a amamentar;
- coabitação com mulher grávida.
Quase todas as reações adversas associadas às vacinas são predominantemente reações locais e autolimitadas, ou reações de importância menor.
No que diz respeito às Vacinas para a Covid-19, os efeitos adversos dependem muito do tipo de vacina administrada e estarão sempre relacionados com os decorrentes causados pela Covid-19.
Tendo em conta as vacinas disponíveis no momento e cujo tipo é Ácido Nucleico (mRNA), os mais relatados foram: dor local no braço ao levantar o mesmo, fadiga, dores de cabeça, arrepios e dores musculares em especial nas segundas doses.
Não obstante de qualquer que seja a vacina, qualquer reação adversa não esperada deve ser notificada às autoridades competentes, para posterior avaliação e alterações necessárias.
A notificação das reações adversas às vacinas, como a qualquer medicamento, é dirigida ao Sistema Nacional de Farmacovigilância, coordenado pelo INFARMED.
Para notificar uma reação adversa basta que exista uma suspeita e qualquer pessoa pode fazê-lo, preenchendo o formulário do Portal RAM aqui.
Posto isto, uma vacina é segura? E as vacinas contra a Covid-19?
A vacinação é segura e os efeitos secundários de uma vacina são geralmente menores e temporários, como o descrito acima.
É claro que efeitos secundários mais graves são possíveis, mas extremamente raros.
Qualquer vacina licenciada é rigorosamente testada em várias fases antes de ser aprovada para uso e regularmente reavaliada/monitorizada assim que é introduzida.
Lembre-se de que é muito mais provável que você sofra lesões graves por uma doença evitável por uma vacina do que pela vacina em si.
Por exemplo, o tétano pode causar dor extrema, espasmos musculares e coágulos sanguíneos.
O sarampo pode causar encefalite (uma infeção no cérebro) e cegueira.
Muitas doenças evitáveis por vacinas podem até resultar na sua morte ou dos seus entes queridos (vacine as crianças).
Os benefícios da vacinação superam em larga escala os riscos associados e muito mais doenças ou mortes ocorreriam sem as vacinas.
As vacinas contra a Covid-19 e cujos resultados dos testes foram disponibilizados à comunidade científica, estão constantemente a ser monitorizadas e os seus efeitos adversos também.
São consideradas seguras e de extrema importância no combate à Covid-19.
Todas as vacinas contra a Covid-19, em especial as que utilizam as mais recentes técnicas de desenvolvimento (como Vetor Viral e Ácido Nucleico) apresentam uma segurança elevada (devido ao método de produção e atuação) e constituem o maior avanço científico que há memória na produção de vacinas em tão curto espaço de tempo.
Assim sendo, a vacinação contra a Covid-19 é uma arma simples e eficaz a que todos, em breve, poderemos ter acesso.
Por isso lembre-se: quando chegar a sua vez de ser vacinado contra a Covid-19 não desvalorize a vacinação procurando motivos para adiar a mesma.
Só depende de si!
Só depende de todos nós, a erradicação desta doença.
Vacine-se!
Mário Machado
Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica - Farmácia